William Waack erra feio sobre Foro de São Paulo

William Waack: ideias do Foro de São Paulo são perigosas, mas o Foro em si não. Imagem: Reprodução/YouTube

William Waack: ideias do Foro de São Paulo são perigosas, mas o Foro em si não.

Imagem: Reprodução/YouTube

WILLIAM WAACK, UM dos melhores analistas em política internacional no Brasil, errou rude em vídeo publicado nesta quinta-feira (19) sobre o Foro de São Paulo.

Waack começa o vídeo quase pedindo desculpas: “não achei [o assunto] importante o suficiente para tomar o tempo de vocês”. Mas como muitos comentários pediram a opinião dele, Waack cedeu. O congresso de partidos de esquerda da América Latina realizou seu 24º encontro neste fim de semana em Cuba. Entre os participantes estavam Dilma Rousseff e Evo Morales.

“Eu não acho que é importante porque não se trata de uma organização, em primeiro lugar, amparada por países poderosos o suficiente para expandirem a sua influência e o exercício do seu poder”.

Waack já começa o vídeo com dois erros conceituais. Primeiro, o Foro não é uma organização de países, e sim de partidos, como o jornalista reconhece mais adiante. Segundo, o Foro pode não reunir partidos das grandes potências, mas seus membros são do Brasil e dos nossos vizinhos, e por isso são importantes para nós.

É um princípio tanto em Jornalismo quanto em Relações Internacionais que aquilo que acontece na nossa vizinhança, em geral, é mais importante do que o que se passa em lugares distantes. O Chile pode não ser uma grande potência, mas é muito importante para os bolivianos; da mesma forma, os países da América Latina têm grande importância para o Brasil. Moramos no mesmo bairro.

“Em segundo lugar, eu não acho que se tratam de ideias que tenham capacidade de coordenação internacional a ponto de atrelar o resultado de eleições em âmbitos tão grandes como a América do Sul, a América Latina, ao que esse pessoal reunido lá em Havana – foi o 20º [na verdade, 24º] encontro do Foro de São Paulo – acha que mereceria acontecer do ponto de vista eleitoral”.

Além dos erros conceituais, William Waack está mal-informado sobre a capacidade de articulação internacional do Foro de São Paulo. Vou citar apenas alguns exemplos.

1. Para ficar no aspecto eleitoral, sobre o qual Waack se concentrou, o Foro compartilha marqueteiros. João Santana ajudou a eleger pelo menos 5 presidentes fora do Brasil, e, segundo consta, admitiu “irregularidades” cometidas na Venezuela, El Salvador, República Dominicana e Angola.

2. A Lava Jato já chegou ao Foro de São Paulo. Reportagem de O Globo no final de 2016 mostrou que a operação havia interrompido obras em seis países latino-americanos: Argentina, Cuba, Guatemala, Honduras, República Dominicana e Venezuela. O país com o maior volume de recursos do BNDES foi, adivinhem só, a Venezuela. Segundo o jornal, “[n]as últimas décadas, o Brasil se mostrou um parceiro endinheirado e exerceu seu poder para atrair aliados políticos na América Latina, Caribe e África. Entre 2005 e 2010, os empréstimos do BNDES quase quadruplicaram em dólares. Em um único ano, 2010, o banco brasileiro chegou a emprestar quase US$ 100 bilhões, três vezes o valor investido pelo Banco Mundial (Bird).” É impossível não enxergar que a escolha dessas políticas tem relação com o Foro.

3. O programa Mais Médicos, vendido como uma política pública de saúde, sempre foi uma iniciativa de política externa. Uma gravação publicada pelo Jornal da Band mostrou que o programa foi concebido para driblar uma relação bilateral e patrocinar a ditadura cubana.

4. Quase todos os integrantes do Foro de São Paulo, ao chegarem ao poder em seus países, articularam mudanças constitucionais para permitir mais mandatos:

  • Hugo Chávez tomou posse em 1999. Morreu em 2013, em seu quarto mandato, entregando o poder a Nicolás Maduro;
  • Evo Morales tomou posse em 2006. Com uma nova Constituição na Bolívia, ele pôde concorrer mais vezes. Mandou fazer um referendo em 2016 que permitiria um quarto mandato. Morales perdeu o referendo, mas a Suprema Corte da Bolívia anulou o resultado;
  • Rafael Correa tomou posse em janeiro de 2007. Deu ao país uma nova Constituição. Em 2009, tornou-se o primeiro presidente reeleito do Equador desde o século XIX. Foi reeleito de novo em 2013. Correa chegou a articular como fazer para ter reeleições ilimitadas, mas saiu em maio de 2017 e hoje está encrencado com a Justiça;
  • Daniel Ortega tomou posse em 2007. Foi reeleito em 2011. Em 2014, o Congresso da Nicarágua aprovou o fim do limite de mandatos para o presidente. Hoje, Ortega promove um banho de sangue para manter-se no poder;
  • Manuel Zelaya — assim como Chávez, Morales e Ortega — quis mudar a Constituição de Honduras para ficar mais um pouquinho, apesar do que diz o Artigo 42. Foi deposto pela Suprema Corte em 2009, e depois hospedou-se na Embaixada do Brasil, quando o presidente era Lula, fundador do Foro de São Paulo;
  • O próprio Lula flertou com a ideia de mudar a Constituição para tentar um terceiro mandato. Desistiu pensando que deixaria Dilma esquentando a cadeira para ele voltar em 2014.

5. Se William Waack não leva o Foro de São Paulo a sério, o próprio Lula leva. O então presidente disse em 2005: “[e]m função da existência do Foro de São Paulo, o companheiro Marco Aurélio [Garcia] tem exercido uma função extraordinária (…) E graças a essa relação foi possível construirmos, com muitas divergências políticas, a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela. Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política.

“Fora a sem-vergonhice de todos eles de defender (…) ditaduras, países onde o trabalho escravo é determinante para que esses países ocupem listas negras internacionalmente reconhecidas, e por continuarem defendendo aquilo que, sem exceção, levou a ditaduras, desastres econômicos e desgraça dos povos que passaram por esse tipo de regime”.

Aqui William Waack cai numa contradição, na qual esbarra de novo ao fim do vídeo. Se as ideias defendidas pelo Foro são importantes (e negativas), por que sua articulação não seria? Participaram desta edição do Foro em Cuba, além de Dilma e Gleisi, os presidentes Miguel Díaz-Canel, de Cuba; Nicolás Maduro, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; Salvador Sánchez Cerén, de El Salvador; e o já citado ex-presidente Manuel Zelaya. Por que eles perderiam tempo com um congresso do tipo?

A Declaração Final do Foro neste ano expressa apoio aos governos de El Salvador, Nicarágua e Venezuela, todos os quais estão usando de violência contra a oposição.

E mais: Morales e Maduro concordaram que as reuniões do Foro deveriam ser a cada três meses em vez de anuais!

“Mesmo quando existia a Internacional Socialista, muito tempo lá atrás (…) uma ditadura do porte da ditadura soviética, eles nunca conseguiram uma ação coordenada que levasse aonde eles queriam, ou seja, o domínio completo deles sobre as sociedades”.

Não gosto de usar a palavra “falácia”, mas é o que William Waack faz aqui. O critério de relevância é cumprido apenas depois da realização do objetivo final? Se assim fosse, os monarquistas só deveriam temer os republicanos depois que o rei já estivesse deposto. Não faz sentido.

“O perigo do Foro de São Paulo não está na organização Foro de São Paulo, mas tá na receptividade de boa parte dos eleitorados latino-americanos em geral e sul-americanos em especial pra ideias que levaram a desastres econômicos (…) e apenas beneficiam os ocupantes do aparelho de Estado, em geral, vocês já adivinharam, exatamente os integrantes desses partidos que são fundadores e fazem parte do Foro de São Paulo”.

William Waack reconhece que o Foro de São Paulo não é importante. O que é importante são seus líderes, as ideias debatidas, as propostas, os programas econômicos, a defesa mútua de regimes autoritários e a capacidade de vencer eleições para executar esses projetos. Aí sou forçado a concordar. É como alguém dizer que o importante para um nadador não é a piscina, mas a água.

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