NO TWITTER, O Globo publicou a notícia com o seguinte destaque: “Como presidente, Cármen Lúcia assina decreto que obriga empresas a contratar presos e egressos“. Porque a imagem foi compartilhada junto ao link, o sistema não conseguiu montar o card que acrescentaria o subtítulo. E, com a profusão de pay wall, tem sido cada vez mais comum a prática de concluir a leitura na manchete – o que não é novidade da internet, uma vez que os melhores manuais de redação alertam há décadas do risco de o leitor se contentar com leitura dos títulos.
Uma breve busca nas redes sociais mostraria o resultado. Não foi raro encontrar brasileiros entendendo que a presidente do STF aproveitou o plantão na Presidência da República para impor a contratação de membros de facções criminosas pelas empresas brasileiras. Mas a notícia tinha muito mais nuances que evitariam tanta confusão.
Porque não se trata de uma iniciativa de Cármen Lúcia, mas de ministros do Governo Temer. Porque não atinge todas as empresas brasileiras, mas apenas aquelas que disputam contratos superiores a R$ 330 mil junto ao Governo Federal. E porque o objetivo é justamente criar alternativas para enfraquecer o assédio do narcotráfico junto à população carcerária.
Mas este é só um exemplo de uma prática extremamente comum da imprensa brasileira. No caso possivelmente mais danoso da temporada, uma coluna da Folha de S.Paulo deu vida a todo um entendimento de que a vereadora Marielle Franco tinha envolvimento com o crime organizado e seria um “cadáver comum”. Só meia dúzia de parágrafos adiante, uma exclusividade de quem assina o veículo, veio o esclarecimento de que tudo não passava da impressão de uma desembargadora que não tinha a mínima intimidade com a investigação. O puxão de orelha veio por intermédio da Ombudsman do próprio jornal, mas pouco passou disso, ficando qualquer punição restrita aos blogs que reverberaram a manchete – ainda que com todas as referências ao conteúdo original.
O sermão, contudo, findou inócuo. Semanas depois, a mesma coluna cometeu equívoco semelhante dando a entender que Jair Bolsonaro escondia-se de uma multidão, quando na verdade apenas evitava o constrangimento causado por uma passageira que surtava na sala de embarque.
O radicalismo cresce, entre outras coisas, porque milhares – talvez milhões – de cidadãos brasileiros foram dormir achando que seriam obrigados a trabalhar com (ou contratar) presidiários. Ou porque imaginavam que o narcotráfico tinha recrutado a parlamentar noticiada como heroína. Ou mesmo porque se sentiu alvo de uma “pegadinha caça-clique” numa coluna do maior jornal do país.
Tudo isso contribuiu para que a desinformação ganhasse o mundo. E tudo isso partiu da imprensa tradicional, aquela que graduou-se para o ofício e, portanto, em comparação com os leigos que se aventuram a reverberar informação na web, comete falta ainda mais grave.
Enquanto estas palavras são escritas, influenciadores liberais e conservadores ainda digerem a notícia de que o Facebook derrubou centenas de canais – entre páginas e perfis – sob a desculpa de que promoviam desinformação. Enquanto a imprensa reverbera o ocorrido sem questões, a esquerda celebra, o que levanta suspeitas do uso político semanas antes da eleição mais importante da história do Brasil. Em resposta, o Ministério Público Federal já exigiu da rede social esclarecimentos urgentes.
A direita se sente o bode expiatório de uma era da informação em que todos desinformam, ainda que seja difícil mensurar quem é o dono da maior fatia. Mas é fato que, quando a desinformação tem o crivo de veículos por vezes centenários como os da imprensa tradicional, ela ganha pernas muito mais atléticas para correr o mundo.
A desinformação é um problema. Os críticos do “combate às fake news” falharam ao não destacarem esta ressalva. Mas reclamam algo que possui sentido. Se a desinformação parte de todos os lados, por que só um grupo está sendo visado pelo trabalho?
E mais: quando a imprensa irá reconhecer que também tem culpa nisso? Porque a imprensa não parou de errar após a “Escola de Base“. Mas, aparentemente, parou de assumir os próprios erros.