Por que os próprios brasileiros não preencheram todas as vagas do Mais Médicos desde o início?

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O governo Temer alega ter conseguido resolver em poucas semanas o que o próprio governo Temer não conseguia resolver desde 2016, quando herdou o poder pelo impeachment de Dilma Rousseff. Desta forma, largou no ar que a necessidade de mão-de-obra cubana era meramente um problema político do Mais Médicos. A situação, claro, ainda demanda cautela. Afinal, não basta se inscrever, é preciso assumir a vaga. Mas, ao se considerar verdadeira a crença do Ministério da Saúde, outras questões se tornam obrigatórias, como a estampada na manchete acima.

O editorial do Estadão em 9 de maior de 2013 oferece boas pistas. Nos terceiros e quartos parágrafos, a disputa política travada entre o governo Dilma e o Conselho Federal de Medicina em torno do Revalida.

Os médicos cubanos viriam como prestadores de serviço ao governo brasileiro, com contratos temporários – de dois a três anos – assinados com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Como a lei exige a revalidação dos diplomas desses profissionais para que eles possam trabalhar aqui, o Ministério da Saúde estaria tentando, desde o ano passado, negociar com o Conselho Federal de Medicina (CFM) a concessão de licença provisória por aquele período, tanto para médicos de Cuba como de Portugal e Espanha. A pronta reação do CFM ao anúncio de que aquela medida estava em estudo, com duras críticas do governo, mostra que a negociação deu em nada.

Em dura nota oficial, ele condena “qualquer iniciativa que proporcione a entrada irresponsável de médicos estrangeiros e de brasileiros com diplomas de Medicina obtidos no exterior sem sua respectiva validação“. Como pela lei essa validação é obrigatória, a questão deverá ser levada à Justiça. A nota chama a medida de “agressão à Nação”, porque atenderia a “interesses específicos e eleitorais”. A posição adotada pelo CFM se justifica plenamente. Como o governo sabe que dificilmente os médicos cubanos conseguirão passar no exame para validação de seus diplomas, a tal licença provisória é um expediente para contornar a exigência legal.

A falácia dos médicos cubanos

O Estadão tomou as dores dos médicos. Mas talvez não haja mocinhos no enredo. O Revalida tem sido compreendido por uma ala mais liberal como mais uma das muitas reservas de mercado em vigor no país. Antes de ser uma proteção ao profissional brasileiro, é uma proteção ao médico que atua no Brasil. Tanto que os cubanos tinham no exame um desempenho melhor que o dos nativos formados no exterior.

Por outro lado, resta evidente que o governo Dilma “estranhamente” se interessava mais pelo repasse financeiro a Cuba do que necessariamente pelas questões de saúde do país. Não havia como desta mesa de negociação sair algum acordo. Afinal, não havia esse interesse em quaisquer dos lados.

Dilma Rousseff viu nos protesto de junho de 2013 uma oportunidade para empurrar a ideia como um dos cinco “pactos” propostos pela gestão. Após críticas, o governo prometeu priorizar os exemplares nacionais. O que aconteceu na sequência? Boicotes e mais boicotes de entidades ligadas à medicina. Em agosto, ao fim do primeiro round, sobraram 4 mil vagas – para máxima alegria da ditadura cubana.

O Ministério da Saúde assinou nesta quarta-feira (21) termo de cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), representação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas, para atrair médicos estrangeiros ao Brasil, por meio do programa Mais Médicos. Pelo acordo, fica definida a vinda de 4 mil profissionais de Cuba para as vagas que não foram escolhidas por brasileiros e estrangeiros na seleção individual.

Brasil assina acordo com Organização Pan-Americana da Saúde para atrair médicos estrangeiros

A história do Mais Médicos merece ser melhor explicada. E o governo Bolsonaro será o principal interessado nessa versão. Mas, por ora, é possível concluir que os profissionais locais não preencheram todas as vagas desde o início porque a saúde do povo brasileiro, independente do ator, era desde o início uma questão secundária.

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