Comunicação

Não é verdade que Sérgio Moro mudou de opinião quanto à gravidade do caixa 2

Antes de se tornar ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Sérgio Moro passou anos emitindo opiniões que serviam de defesa do trabalho tocado pela operação Lava Jato. Uma das mais marcantes dizia respeito à gravidade do uso de caixa 2. Ao menos em comparação com o enriquecimento ilícito. De acordo com o juiz federal, enquanto este tinha por efeito meramente enriquecer o corrupto, esse enfraquecia toda uma democracia – o que, por óbvio, seria mais grave.

“Temos que falar a verdade, a Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral.”

Nos EUA, Moro diz que Caixa 2 é pior do que corrupção

Dois anos depois, em fevereiro de 2019, já na Esplanada dos Ministérios, Moro voltou às manchetes. Desta vez, a imprensa noticiava que o ministro mudara de opinião. Que caixa 2 não mais teria a “mesma gravidade” da corrupção.

Mas isso de fato ocorreu? Uma lida mais cautelosa no registro ajuda a elucidar a questão.

Moro iniciou a fala informando que o governo vinha tentando convencer o parlamento da importância pacote de leis que tentam combater a corrupção. Mas que, nessa abordagem, era também necessário ouvir o Congresso:

“O governo está sensível ao debate e nós queremos levar os projetos ao Congresso e convencer os parlamentares do acerto. Mas, também estamos abertos a sugestões.”

Caixa 2 não tem mesma gravidade de corrupção, diz Moro sobre pacote de leis

Em seguida, o proponente ponderou que os próprio congressistas reclamaram que caixa 2 seria um crime menos grave que os demais do pacote:

“Houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos.”

Caixa 2 não tem mesma gravidade de corrupção, diz Moro sobre pacote de leis

Para contornar o impasse, Moro comunicou que o Governo Federal decidiu votar a criminalização do caixa 2 separado das demais ideias, mas que a proposta já havia sido entregue:

“Então, acabamos optando por colocar a criminalização à parte, mas que está sendo encaminhada ao mesmo momento.”

Caixa 2 não tem mesma gravidade de corrupção, diz Moro sobre pacote de leis

Para não restar dúvida, reagindo a uma insistência da reportagem, o ex-juiz federal esclareceu que caixa 2 possui um tipo penal diferente. E que ambos são graves, ainda que tecnicamente distintos.

“Não, caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves. Aí é uma questão técnica.”

Caixa 2 não tem mesma gravidade de corrupção, diz Moro sobre pacote de leis

Em resumo, para Sérgio Moro, corrupção e caixa 2 seriam igualmente graves, ainda que tecnicamente distintos; para os congressistas, caixa 2 seria um crime menor. Quando a imprensa atribui ao membro do Executivo um posicionamento incoerente que partiu de membros do Legislativo, a imprensa erra num momento em que não pode errar.

Porque há uma agenda estatal contrária à liberdade de expressão. Sempre que o jornalismo erra, a pauta indesejável dá curtos passos na direção de uma temível vitória. E isso independe de o equívoco ter nascido da mais pura má fé, ou de um mero deslize do editor.

A democracia depende dessa vigilância.

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Publicado por
Marlos Ápyus