O Menino que Gritava ‘Fascista’

Ilustração: Francis Barlow

ERA UMA VEZ um jovem pastor muito honesto e inteligente, do tipo que lia Leandro Karnal e chamava seus interlocutores de “meu caro”. Preocupado com as questões sociais, o pastor sempre cuidada de alertar à comunidade sobre os perigos iminentes à sua sobrevivência.

Um dia apareceu na aldeia um ministro. Muitos anos atrás, o ministro havia sido líder estudantil, justamente em um período de trevas para o reino, quando o trono do rei fora usurpado. O ministro ficara do lado dos rebeldes e até fugiu do país. Mas o sábio pastor, que havia lido muitas colunas da Marilena Chaui, enxergava as verdadeiras intenções do ministro, e por isso gritou:

– FASCISTA! FASCISTA!

E com pronta ajuda da comunidade, o ministro foi enxotado para fora da aldeia.

Anos depois apareceu o médico. Era um caipira com alguma experiência em administração e com certa fixação por trens e locomotivas. Por mais que a infraestrutura que o médico entregasse fosse muito melhor do que a de todas as outras províncias do reino, a conversa era de que as obras atrasavam. Já na aldeia do pastor o metrô nunca atrasava, porque simplesmente não existia. Como o pastor nessa época estava lendo tudo do Janio de Freitas, sabia das verdadeiras intenções do médico, e por isso gritou:

– FASCISTA! FASCISTA!

E com pronta ajuda da comunidade, o médico foi enxotado para fora da aldeia.

Anos depois apareceu o playboy. Era um sujeito que se dizia vassalo de uma província, mas morava em outra. Gostava de beber vinho, e arranjou um segundo casamento apenas para se tornar mais respeitável. O playboy tinha algumas conexões espúrias e havia acabado de mandar construir uma fortaleza de marfim em lugar distante e não sabido, mas parecia razoavelmente inofensivo. Parecia? Ledo engano. O pastor havia lido Celso Rocha de Barros e sabia das verdadeiras intenções do playboy, e por isso gritou:

– FASCISTA! FASCISTA!

E com alguma ajuda da comunidade – alguns já nutriam dúvidas sobre a sabedoria do pastor – o playboy foi enxotado para fora da aldeia.

Foi então que apareceu o capitão. O capitão não confiava nas urnas, dedicara o voto de deposição da rainha a um torturador, e nunca escondeu seu apreço e admiração por aquele período de trevas no qual o ministro era líder estudantil etc. etc. O capitão era ainda escoltado por uma ampla turba de milicianos, que dedicavam intenso fervor ao seu infalível líder e nutriam especial apreço por armas de cano longo.

Aquilo era evidente demais. O perigo estava na cara. Nem era preciso ler Bernardo Mello Franco para entender. O pastor encheu os pulmões de ar e gritou:

– FASCISTA! FASCISTA!

Mas aí quase ninguém acreditou nele. E a aldeia estendeu ao capitão um vistoso tapete verde-oliva.

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