Todas as boas ideias que Sérgio Moro estava disposto a encampar no Ministério da Justiça poderiam ser tocadas por alguém como Carlos Fernando dos Santos Lima, que havia acabado de deixar a Lava Jato. É natural que procuradores enveredem pela política, pois têm lado, cumprem missões, emitem opiniões e dialogam constantemente com a opinião pública. O cargo de juiz demanda discrição mesmo após a aposentadoria, sob pena de pôr em dúvida decisões de toda uma vida.
Melhor do que ninguém, Moro sabe da importância de um trabalho como o dele ter uma boa imagem junto à opinião pública. Essa preocupação salta das entrelinhas no bom artigo que assinou sobre a Mãos Limpas, e foi posta à prova pela operação que o fez famoso em todo o Brasil. Mas o árbitro aceitou um valioso cargo no governo Bolsonaro após ter importante participação na eleição do presidente eleito. Mercado e imprensa davam como certa a vitória de Fernando Haddad num eventual segundo turno quando a delação de Antonio Palocci veio a público sem o apoio do Ministério Público, mas apenas da Polícia Federal. E ajudou na polarização que findaria em vitória de Jair Bolsonaro.
O vice-presidente eleito bateu com a língua nos dentes tornando público que o convite ao juiz federal ocorrera antes mesmo de a campanha se encerrar. Deixou no ar que a decisão do início de outubro não fora tomada por um magistrado que seguia uma agenda independente da eleitoral, mas por alguém que almejava ascensão política. E que ascendeu quatro dias após a conclusão da apuração.
De novembro de 2018 em diante, todos os livros de história poderão enumerar os fatos listados nesses dois parágrafos. Todos os professores poderão afirmar que as suspeitas de um viés político no trabalho da Lava Jato ganharam força como nunca. E certamente os corruptos que ainda tentarão depenar a nação usarão o exemplo sempre que algum juiz ousar puni-los pelas mais variadas contravenções.
Ignorando a máxima milenar de que não basta ser honesto, é preciso parecer honesto, Moro entrou na política colocando em suspeição não apenas a própria carreira, mas a de qualquer magistrado que se disponha a fazer trabalho igualmente encantador. Foi um risco desnecessário para alguém que já tinha uma vaga garantida na Suprema Corte. Apenas resultados excelentes do que pretende aprontar na Esplanada dos Ministérios justificarão aposta tão cara. Capacidade para tanto, o ex-juiz há de ter. Resta saber se terá sorte.