Notas

Em livro, Bolton conta como demitiu diplomata brasileiro sem motivo

O ASSESSOR DE SEGURANÇA NACIONAL John Bolton gosta de falar muito – sobre o que lhe interessa.

Em sua autobiografia Surrender is not an Option, lançada em 2007, Bolton discorre com abundância de datas e nomes sobre vários episódios de sua carreira. O capítulo 10, por exemplo, é dedicado exclusivamente à primeira eleição de Ban Ki-moon como secretário-geral da ONU, em 2006. Em quase 18 páginas inteiras, o autor registra desde as pré-negociações com os colegas representantes de membros permanentes do Conselho de Segurança (na sala C-209, com vista para o East River de Nova Iorque, atenção) a uma reunião “às 16h30 de 25 de julho” que foi uma espécie de conclave, com os diplomatas usando canetas iguais para registrarem votos secretos em pré-candidatos.

Tudo com fartura de detalhes. Tudo? Bom…

Nas páginas 95 a 97 um episódio que parece complicado é narrado com certa pressa. Conta-se como em 2002 Bolton trabalhou para demitir o diplomata brasileiro José Bustani do posto de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Bustani havia sido reeleito para o cargo por unanimidade apenas 11 meses antes. Mas no livro Bolton diz que o brasileiro era “um desastre administrativo” e “incompetente”. Ao contrário do que faz em todos os outros episódios do livro, porém, o autor não explica em que consistia o problema ou quais tipos de dificuldades o trabalho ou postura de Bustani causavam.

Há um trecho revelador: “[Colin] Powell ficou preocupado que nossos esforços não estavam dando certo (…)”, e só. Já na página seguinte Bolton registra a votação que demitiu Bustani da Opaq: 48 votos a favor, 7 contra, e 50 abstenções e ausências. Ao lado do Brasil ficaram apenas Belarus, China, Cuba, Irã, México e Rússia (frise-se: isso em abril de 2002, durante o governo FHC e antes da eleição de Lula).

Mais tarde ficaria claro onde estava a “incompetência” de Bustani, nunca explicada por Bolton. Bustani queria levar inspetores de armas químicas para o Iraque, o que desarmaria a principal justificativa da administração Bush para invadir o país de Saddam. Muitos anos depois, ao se recordar daquela tarde remota, Bustani classificou: “John Bolton é um bully”.

Com a demissão de Bustani, o cargo foi prontamente ocupado por um argentino, Rogelio Pfirter.

Fãs de Bolsonaro estão agora vibrando com a aliança com John Bolton. ¡Ojo!

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Publicado por
Cedê Silva