Jô Soares não só defendia Zé de Abreu (que havia se envolvido em polêmica por cuspir no casal que com ele discutia) e Chico Buarque (que não se cansava de defender o governo Dilma). Numa das últimas temporadas à frente do Programa do Jô, o humorista costumava chamar de “ignorância” as críticas feitas à Lei Rouanet. Mas, sem perceber, ofendia a lógica.
Com o mesmo argumento usado pelo ator global, o apresentador defendia que a lei federal “não dá dinheiro pra ninguém“:
“A Lei Rouanet apenas permite que o produtor, e eu quero dizer isso com total isenção porque eu não sou produtor de nada, eu sou diretor de espetáculos. Quem entra na possibilidade de levantar verbas através da Lei Rouanet é o produtor. O sujeito quer produzir um espetáculo, ele entra pedindo à Lei Rouanet licença pra poder levantar fundos junto às indústrias ou ao comércio, quer dizer, a Lei Rouanet não dá dinheiro pra ninguém.“
A mesma tática é explorada por tanto outros artistas que queriam se esquivar das críticas pela intimidade com o Ministério da Cultura. Mas, se de fato não havia dinheiro público envolvido, por que é preciso pedir autorização ao governo?
Porque havia dinheiro público envolvido.
No artigo 18 da lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, é dito que:
“A União facultará às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto no apoio direto a projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de natureza cultural, como através de contribuições ao FNC.”
E mais. No artigo 26, reforça-se que:
“O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos em favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos desta Lei.”
Em palavras mais diretas, os projetos da Rouanet são parcialmente bancados pelo imposto de renda que empresas e pessoas físicas já recolheriam naturalmente. Ou seja, de impostos que seriam aplicados em outras áreas, mas passam a ser direcionados a projeto artísticos que superam os filtros do Ministério da Cultura.
A Rouanet não é a única lei de incentivo cultural do Brasil, há vários dispositivos similares nos estados e municípios. Mas, no geral, respeita-se a mesma lógica: o patrocinador banca o projeto e, com o recibo do depósito em mãos, corre para ser reembolsado pelo governo. A depender dos objetivos da produção, da arte incentivada, do perfil do apoiador ou mesmo do texto aprovado pelo legislador, o reembolso pode ser parcial ou completo. Na versão federal, varia de 30% a 80% dos valores investidos.
Um filme que recebe autorização para captar R$ 10 milhões, por exemplo, pode custar aos cofres público até R$ 8 milhões pela Rouanet. Mas, infelizmente não é raro que projetos sejam superfaturados e finde caindo nas costas do governo o custo total da produção. E o que deveria servir para educar o mercado vire modelo de negócio explorado por aqueles que mais proximidade possuem com as autoridades. Cursos para aprender a trabalhar com a lei não faltam, nem mesmo em algumas faculdades de cinema, onde alunos só se formam após comprovarem que dominam tais regras.