Alberto Fujimori tornou-se presidente do Peru em julho de 1990. Recebia o país em grave crise. Antes mesmo de tomar posse, recorreu ao FMI, mas ouviria que, antes de receber qualquer ajuda internacional, precisava adotar medidas economicamente impopulares.
Fujimori não tinha maioria no Congresso, mas tinha o apoio das Forças Armadas.
Em 5 de abril de 1992, o líder peruano apareceu na TV anunciando que estava “dissolvendo” o Congresso e “reorganizando” o Poder Judiciário. Na sequência, tanques de guerra foram enviados para o Senado, opositores e jornalistas foram detidos, e um ex-presidente do país quase seria preso.
Era um “autogolpe”. Com ele, Fujimori conseguiria:
- Tomar para si os poderes do Congresso;
- Suspender a Constituição nacional;
- Reduzir as forças do judiciário;
- Promulgar uma nova Constituição;
- Perseguir qualquer crítico por intermédio de uma imprensa sensacionalista e amiga.
O documentário The Fall of Fujimori, de Ellen Perry, registra os momentos aqui narrados.
O documentário “The Fall of Fujimori”, de Ellen Perry, registra os momentos aqui narrados. pic.twitter.com/DT8gHbwJJ6
— A Agência (@aagencia_info) 25 de março de 2019
Um dos depoimentos colhidos, contudo, guarda uma incômoda semelhança com o Brasil de 2019:
“É verdade que Fujimori tinha uma minoria no Congresso. Mas era uma oposição responsável. O presidente do Senado vivia pedindo ao presidente: ‘Queremos conversar com você para chegarmos a um meio termo’. Mas Fujimori se recusava. Ele queria criar uma situação de conflito.”
The Fall of Fujimori
“É verdade que Fujimori tinha uma minoria no Congresso. Mas era uma oposição responsável. O presidente do Senado vivia pedindo ao presidente: ‘Queremos conversar com você para chegarmos a um meio termo’. Mas Fujimori se recusava. Ele queria criar uma situação de conflito.” pic.twitter.com/sMXPtoRlbY
— A Agência (@aagencia_info) 25 de março de 2019
O Brasil de 2019
Jair Bolsonaro tornou-se presidente do Brasil em 2019. Na agenda, a missão de aprovar a reforma da Previdência, vital para a economia do país, mas bastante impopular. Nas eleições de 2018, a campanha vencedora chegou a prometer uma nova Constituição para o Brasil, e afirmar que uma situação de conflito poderia justificar um “autogolpe”.
É verdade que o núcleo ideológico do Governo Bolsonaro não se dá com ala militar, mas a “reestruturação da carreira dos militares receberá R$ 86,85 bilhões em 10 anos” graça à atual gestão. É também verdade que Bolsonaro possui uma rede de influenciadores digitais que promove o linchamento virtual até mesmo de aliados; que a pequena base do Governo Federal quer dar vida a uma CPI como forma de constranger o Judiciário; e que o assessor internacional do presidente da República defende a teoria de que o Brasil vive desde 2013 um longo processo violentamente revolucionário.
Um ano após o autogolpe de Fujimori, um deputado federal brasileiro surgiu nas páginas do New York Times dizendo ter simpatia pelo ditador peruano. E que só uma “fujimorização” salvaria o Brasil.
“I sympathize with Fujimori. Fujimorization is the way out for Brazil. I am making these warnings because the population is in favor of surgery.”
A Soldier Turned Politician Wants To Give Brazil Back to Army Rule
O nome do parlamentar brasileiro: Jair Bolsonaro.
O risco de a história se repetir
No próprio Twitter, onde uma versão inicial deste texto foi publicada, Fernando Bizzarro trouxe uma bem-vinda diferenciação entre ambos os cenários. Para o cientista político, “fechar o sistema político brasileiro como fez o ‘japonês peruano’ é muito difícil. Federalismo e a porosidade do Estado brasileiro limitam a capacidade do Presidente para concentrar poderes. O Peru era um Estado unitário e a burocracia era aparentemente mais insulada“.
A situação político-econômica é outro fator a ser considerado, entendido por Bizzarro como muito mais grave no caso da nação vizinha. Mas o principal: no Brasil, “os militares sabem que não podem confiar” em Bolsonaro. “Consequentemente, um autogolpe que faz de Bolsonaro um Fujimori parece improvável.”
Mas Bizzarro concluiu a explanação concordando que o preço da liberdade é eterna vigilância: “Isso não quer dizer que uma erosão democrática seja impossível. É possível, e forçar conflito com o Congresso é parte da estratégia para fazê-la acontecer. Mas [Bolsonaro] não é Fujimori. Não ainda, pelo menos.“