Já no 1º de novembro de 2018, Jair Bolsonaro achou por bem fazer um “aceno ideológico” ao eleitorado cativo e, nas redes sociais, anunciou que transferiria a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. A medida logo foi criticada como agressiva às nações árabes, ou algumas das principais clientes do agronegócio local. Um mês e meio depois, Hamilton Mourão recebeu representantes da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. Na ocasião, as conversas giraram em torno de investimentos dos 22 países representados pelo órgão. Mas a coisa foi além, com o presidente em exercício descartando uma promessa de campanha – a retirada da embaixada brasileira da Palestina.
Essa tem sido a rotina do Governo Federal. Como um pai que arruma a bagunça feita pela brincadeira das crianças, o vice-presidente vem se especializando em oferecer segurança jurídica em contraponto à imprudência do presidente da República.
Se os chineses ficam decepcionados com o Governo Bolsonaro, Mourão abre as portas para receber a comitiva da Câmera do Comércio Chinês. Se o capitão defende uma reforma previdenciária que apenas empurra o problema para o sucessor, o general concorda com a equipe econômica, que exige uma reforma mais profunda. Se o ministro-chefe da Secretaria de Governo diz que os militares devem ser poupados, o vice-presidente diz até quanto tempo gostaria de ver os companheiros de farda contribuindo.
Bolsonaro prometeu confiar em Fabrício Queiroz até a culpa do amigo ser provada. Mourão faz cobranças públicas a respeito da origem do dinheiro observado nas “movimentações atípicas” do ex-motorista de Flávio Bolsonaro. O apoio do 01 a Onyx Lorenzoni soa incondicional. Da parte do 02, o Casa Civil cairá assim que provarem as ilicitudes.
Enquanto um trata a imprensa como uma inimiga a ser derrotada, o outro a vê como um organismo profissional a quem se deve desejar um bom trabalho. Enquanto um ataca a atuação do COAF, o outro entende que é preciso dar explicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
No 23 de janeiro de 2019, após cancelar uma coletiva que daria em Davos, Bolsonaro passou o resto do dia destacando nas redes sociais o apoio que emprestava à oposição venezuelana, que tentava mais uma vez derrubar Nicolás Maduro. No Palácio do Planalto, o interino jogava água na fervura: descartava apoio do Brasil a uma intervenção no vizinho de cima.
É muito cedo para falar em soluções complexas como um processo de impeachment. Mas é nítido que o novo governo possui um elemento desestabilizador, e um outro que se esforça para estabilizar a situação. A função de um presidente é resolver crises. Quando um líder se acostuma em ampliá-las, o sistema se organiza para trocá-lo. Foi assim com Fernando Collor de Mello, foi assim com Dilma Rousseff. Portanto, é bom o presidente já ir deixando para trás a conduta irresponsável típica dos integrantes do baixo clero de onde veio.