Em 20 anos de existência, o ENEM se converteu em uma das missões de mais difícil execução do Governo Federal. Se, na virada do século, quase 400 mil estudantes se inscreveram para o exame, o total de inscritos chegou a 5,5 milhões em 2018.
Desde 2009, a preocupação com a segurança ganhou prioridade. De tão cauteloso com eventuais vazamentos, nem Mendonça Filho, que comandou o Ministério da Educação durante o governo Temer, permitia-se ter contato prévio com a avaliação.
A logística para a aplicação de 11 milhões de provas simultâneas é insana. Demanda que o MEC esteja alinhado com fornecedores de papel, gráficas, locais de prova, fiscais e toda a mão-de-obra que garantirá o sucesso do exame. A depender da localidade, o material só chega de barco. E isso requer um perfeito diálogo com Forças Armadas e Correios, por exemplo.
O cronograma não pode atrasar um único dia.
Mas o governo Bolsonaro preferiu enxergar a pasta ligada à educação como o ambiente ideal para uma “guerra cultural”. Ainda em novembro de 2018, almejando o que entende ser uma arma ideológica, a bancada evangélica disse ter interesse nela. No mesmo mês, já noticiado como uma indicação de Olavo de Carvalho, o futuro ministro da Educação prometia que ninguém iria impedir Bolsonaro de ter um acesso prévio ao ENEM.
A gestão chegou a substituir servidores com 25 anos de experiência por alunos de Olavo que completavam 27 anos de vida. Como responsável pelo ENEM, escolheu um economista que havia sido expulso do MBL, que assim o definia: “Um maluco completo“.
Para sorte do país, o “maluco completo” seria exonerado. Mas Marcus Vinicius Rodrigues, que presidiria o INEP, entrou no jogo prometendo que Jair Bolsonaro em pessoa faria mudanças na avaliação.
Em episódio noticiado como um parcial “expurgo dos alunos de Olavo de Carvalho“, um dos afastados deixou escapar que a CAPES vinha sendo usada pelo governo Bolsonaro para – nas palavras dele – “guerra cultural”.
Para efeito de comparação, em 21 de março de 2018, o ministro da Educação de Temer não só lançava edital com todos os detalhes do ENEM, como participava de coletivas em que explicava à opinião pública as principais mudanças daquela edição. Um ano depois, em 20 de março de 2019, o INEP se preocupava em nomear uma comissão – que já existia, mas não estava ativa – “para fazer uma avaliação ideológica das questões do Enem 2019“.
Preocupados com o cronograma, “secretários estaduais de Educação divulgaram documento cobrando das autoridades educacionais do governo federal mais foco, coerência e eficiência administrativa“. Entretanto, no final de março, Marcus Vinicius Rodrigues findou exonerado pelo ministro da Educação. O presidente do INEP caía em resposta não a uma medida própria, mas de Carlos Nadalim, um dos alunos de Olavo.
Como desgraça pouca é bobagem, a gráfica responsável pela impressão das provas do Enem desde 2009 decretou falência no início de abril. Sem estrutura para impressão de 11 milhões de provas personalizadas, o MEC apelou à Casa da Moeda. Todavia, só uma mudança de estatuto permitiria a parceria. “A instituição convocou nova reunião com o Inep, mas não obteve retorno. Por isso as tratativas ficaram paradas.”
Até o momento, as crises alimentadas pelos “olavetes” já renderam vinte exonerações em órgãos ligados à pasta. Em paralelo, Olavo dedicou as últimas semanas de março para atacar os militares do governo Bolsonaro, peças fundamentais na logística do ENEM.
Enquanto estas palavras são escritas, o MEC está aos cuidados de um ministro que só não foi demitido porque o presidente da República ainda não encontrou um “nome que agradasse à bancada evangélica“. Parte dos alunos de Olavo, contudo, aproveitava momento tão conturbado para uma viagem a Paris bancada pelos cofres públicos. No elenco, o “maluco completo” que havia sido expulso do MBL e do INEP – a excursão seria cancelada após a péssima repercussão.
No início de 2019, a Netflix passou a veicular um documentário sobre o Fyre Festival, um evento que “prometia ser uma experiência musical de luxo numa ilha exclusiva, mas a arrogância de seu produtor colocou tudo a perder“. Se o MEC não voltar urgentemente aos cuidados dos adultos, o ENEM 2019 corre o sério risco de se converter numa edição brasileira do tragicômico festival caribenho. Mas numa versão muito mais trágica do que cômica.