DE TEMPOS em tempos, a opinião pública se agarra a reducionismos de forma a encontrar uma explicação fácil para o que seria uma democracia. De “sistema em que o poder emana do povo” a “ditadura da maioria”, passando por “diretas já” e “impeachment já”, muitas fórmulas são testadas. A The Economist, contudo, dedicou uma pauta a entender o que faz um regime democrático regredir e se consolidar como uma ditadura.
Porque, na era da informação, não cola mais lotar as ruas de tanques de guerra e baixar as portas do Congresso. Os movimentos são silenciosos, dissimulados, inteiramente trabalhados em narrativas sedutoras, sempre com o objetivo de a consolidação do autoritarismo causar o menor estrago possível na imagem do autocrata.
A revista inglesa identifica quatro estágios no processo. Começando pelo surgimento de um líder carismático, que se apresenta como um salvador da pátria. O plano só segue adiante porque, no segundo momento, esse líder confronta um inimigo a ser derrotado. No terceiro, demoniza as instituições democráticas, alegando não ser possível trabalhar por meio delas. Por fim, dá fim ao que resta de oposição.
Como exemplos, são citados China, Rússia, Turquia e Venezuela. Mas é de se perguntar se o Brasil vive fenômeno semelhante. Ou, ainda, se tal fenômeno tem ou não razão de existir.
Ora… A crise de representatividade faz com que o eleitor não se identifique com quem está no poder. A corrupção é, de fato, um inimigo grave a ser combatido. Mesmo após tudo o que aconteceu nos últimos anos, as instituições seguem simpáticas às figuras mais corruptas da nação. E a oposição não se dá ao respeito, permitindo-se toda sorte de jogada rasteira para voltar ao poder ou enfraquecer quem lá está.
Em outras palavras, mais do que um plano diabólico tocado por uma figura maquiavélica, o risco de a democracia se converter numa ditadura parece nascer de falhas do próprio sistema, que se vicia em soluções fáceis e fecha os olhos para uma realidade preocupante.
Não, este não é um artigo em defesa de um golpe de Estado. Pelo contrário. Este é um artigo que vê na democracia um bem valiosíssimo a ser protegido. Mas, antes, ela precisa fazer uma exame de consciência. E assumir a responsabilidade pelos erros cometidos.
A atual e longínqua crise política brasileira não encontrará fim senão por meios democráticos. Mas estes meios carecem de uma atualização convincente. Do contrário, correm risco de extinção.