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Sistema eleitoral americano: ‘The Economist’ acerta no diagnóstico mas erra na receita

COMO AS REGRAS de qualquer jogo, todo sistema eleitoral favorece determinados tipos de jogadores. No sistema brasileiro, por exemplo, é mais fácil conseguir uma vaga no Legislativo se a sua coalizão conta com “puxadores de voto”. As regras também favorecem os líderes de partidos pequenos, que podem negociar tempo de televisão e têm a chave do cofre do fundo partidário. Não é à toa que temos hoje 35 partidos políticos registrados no TSE, 25 dos quais estão representados na Câmara e 18 no Senado.

Outra característica dos sistemas eleitorais no mundo inteiro é partidos diferentes atraírem eleitores diferentes. A divisão mais importante é a entre eleitor urbano e eleitor rural. No Japão, na Áustria, na Argentina, no Reino Unido, nos Estados Unidos etc. ocorre o mesmo fenômeno: o eleitor rural prefere um certo partido e o morador da cidade grande prefere outro.

Nas últimas eleições presidenciais, grosso modo, é o que aconteceu no Brasil: eleitores dos grandes centros urbanos do Sudeste votaram no PSDB, enquanto os eleitores das regiões rurais de Norte e Nordeste votaram no PT.

Nos Estados Unidos acontece o mesmo fenômeno, ainda que inverso: lá os eleitores rurais preferem o partido mais à direita (os republicanos), enquanto os moradores das grandes cidades costeiras votam na esquerda (os democratas).

Além disso – e isto é muito importante que você saiba – os Estados Unidos adotam o voto distrital. Os estados são divididos em grandes zonas eleitorais e cada uma elege um deputado federal. Assim, cada região tem seu deputado. Se você vota em um candidato e ele perde, ainda assim você tem um representante próprio, exatamente como nas eleições para o Executivo. E é aí que nasce um problema – ou, como eu entendo, um custo.

The Economist: sistema eleitoral antigo não comporta a demografia de hoje

A The Economist desta semana trouxe uma análise aprofundada sobre o sistema eleitoral americano e suas disparidades. As estatísticas mostram que o sistema favorece os republicanos, e é difícil discutir com os números:

“Em 2012 eles [os republicanos] ganharam confortáveis 54% da Câmara apesar de receber menos votos que seus adversários democratas; em 2014 converteram 51% dos votos em 55% das cadeiras”.

A razão para esse fenômeno está na distribuição e comportamento dos distritos, e no sistema do voto distrital. Vamos ilustrar com um exemplo.

Em 2014, Dilma venceu a eleição com 51% dos votos válidos. Em 2010, venceu com 56%. Qual a diferença prática? Nenhuma. E se vencesse com 80% vestiria a faixa presidencial do mesmo jeito (com impeachment depois, por favor).

O que acontece nos Estados Unidos é que os candidatos com apelo nas zonas urbanas, nos quais gente de formação universitária costuma votar, vencem eleições com maiorias mais folgadas. Eles são campeões de voto. Mas uma vaga é uma vaga. Pouco importa vencer a eleição por 51%, 56% ou outro resultado. Os votos em excesso são como que desperdiçados.

Já os candidatos republicanos costumam vencer com maiorias mais apertadas. Assim, no agregado, os democratas conquistam mais votos, mas proporcionalmente menos cadeiras.

Ao voto distrital para eleger deputados é somado, nos EUA, o sistema do Colégio Eleitoral para eleger o Presidente (os dois poderiam funcionar de forma independente). O candidato com mais votos em um estado leva o estado inteiro (com exceção do Maine e do Nebraska, que valem poucos votos).

A medida favorece os estados de menor população, que ficam proporcionalmente super-representados. Assim, George W. Bush em 2000 e Trump em 2016 venceram as eleições tendo menos votos que os adversários – novamente, a explicação está no “excesso” de votos nos estados “azuis” (democratas) dados além da conta necessária para ganhar naquele estado.

Até aqui tudo certo na identificação do problema. Só que aí a The Economist vem com a solução.

O sistema ter problemas não quer dizer que o problema não é seu

Em certo trecho a The Economist diz:

“Uma resposta a tudo isso é dizer que é problema para os democratas resolverem. Eles já tiveram apelo fora das cidades e subúrbios mais densos; se fizessem isso de novo, o viés constitucional em favor de lugares menos populosos não os incomodaria mais. Mas embora isso pareça política razoável, é mais fazer vista grossa ao problema do que resolvê-lo (…) Nunca antes tanta gente morou em cidades, e elas acreditam em e querem coisas diferentes dos que não moram”.

A revista traz várias propostas para resolver a disparidade entre votos e representação, todas razoáveis e até muito inteligentes. Uma delas é uma forma de eleger o Presidente dos EUA pelo voto popular sem necessidade de reformar a Constituição: basta que um número suficiente de estados aprove uma lei garantindo que entregará seus votos ao vencedor do voto popular.

Mas é absurdo considerar que a reforma do sistema eleitoral deve vir antes do trabalho do partido. Para usar as palavras da revista, seria fazer vista grossa aos problemas dos eleitores rurais.

Na verdade, o próprio Partido Democrata já aprendeu a lição e está buscando formas de competir no jogo com as regras atuais. Uma delas é levar banda larga e postos de saúde às áreas rurais dos Estados Unidos. A banda larga permite a criação de empregos e oportunidades, e a escassez de postos de saúde na zona rural dos EUA ainda é muito grande.

Segundo reportagem da Blooomberg, o senador Martin Heinrich (D-NM) está frustrado com a falta de uma agenda rural por parte dos democratas nas eleições de 2016. Ele busca oferecer uma visão alternativa para que o partido possa mudar de rumo e voltar a conquistar votos de quem mora fora da cidade grande. A isso chamamos responsabilidade.

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Publicado por
Cedê Silva