♪ “O Arnesto nos convidô / prum samba, ele mora no Brás…” ♪
O MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Arnesto, ops, Ernesto Araújo, confirmou nesta terça-feira (8) que o Brasil vai deixar o Pacto Global para a Migração, assinado em dezembro. É a primeira medida em sua agenda equivocada e contrária aos interesses do País. Em 3 pontos:
O Brasil tem uma das menores taxas de imigração do mundo. A Polícia Federal estima em 750 000 o número de estrangeiros que mora aqui – 0,4% da população. Está bem abaixo da média mundial (3,3%) e é uma minúscula fração do número encontrado nos Estados Unidos (13,7%).
E isso mesmo com uma forcinha de anos recentes. O número de imigrantes registrados pela PF aumentou 160% entre 2005 e 2015. Segundo dados da PF, 117 745 estrangeiros deram entrada no País em 2015 – um aumento de 2,6 vezes em relação a 2006 (45 124). Haitianos, bolivianos e colombianos lideravam os índices.
E a crise na Venezuela? Sim, muitos vizinhos vieram para Roraima. Mas continuamos com déficit de gente. Em 2018, recebemos 94 000 pessoas (incluindo todas as nacionalidades), mas 252 000 brasileiros saíram daqui. Saldo negativo de 157 000 almas.
Se o número de estrangeiros no Brasil ainda está longe de chegar a 1 milhão, estimativa do Itamaraty publicada lá em 2014 conta mais de 3,1 milhões de brasileiros no exterior – mais de 1,3 milhão só nos Estados Unidos; quase 350 000 no Paraguai e outros 180 000 no Japão.
É mais do que óbvio que o Brasil tem mais interesses em um regime internacional que assegure o bom tratamento aos imigrantes do que em restringir fronteiras.
A consultoria britânica Ipsos faz todo ano uma pesquisa de percepção de realidade em vários países. Funciona assim: ela pergunta aos participantes em quanto eles estimam a porcentagem de presos que são imigrantes, de adolescentes que engravidam, de pessoas que têm smartphone, etc. No fim de 2017, o Brasil ficou na 2ª posição com menos noção da própria realidade. Talvez o ministro Arnesto tenha contribuído para a estatística.
O Pacto Global é um texto não-vinculante. Entre seus 23 objetivos estão assegurar que os imigrantes tenham a documentação adequada, reduzir os fatores que levam as pessoas a deixarem seus países, fortalecer a previsibilidade nos procedimentos de migração e estabeler esforços para localizar pessoas perdidas. São medidas que poderiam ajudar os brasileiros que são barrados em Barajas ou contribuir para as investigações dos brasileiros desaparecidos nas Bahamas.
Mas nem Barajas, nem Bahamas: a cabeça de Arnesto, ops, Ernesto, parece estar em Mar-a-Lago. Essa diplomacia do deslumbre lembra a figura de Caco Antibes: o falido que morava de favor no Arouche mas se achava um príncipe dinamarquês.
Mas tem mais? Claro que tem mais. Ao que tudo indica, Arnesto também pretende anunciar duas medidas: deixar o Acordo de Paris e mudar nossa embaixada em Israel para Jerusalém.
O deputado federal-eleito Luiz Bragança, ponta-de-lança do bolsonarismo, publicou que “[s]er contra o Acordo de Paris não é ser contra o meio ambiente. É defender que cada país defina, em liberdade, o que é adequado para sua população”. O futuro parlamentar certamente não leu o Acordo de Paris; por isso, me ofereci para mandar a ele o texto em francês (ele não respondeu).
Ratificado pelo Congresso em agosto de 2016, o Acordo de Paris estabelece que cada país determine e planeje suas contribuições para combater as mudanças climáticas. O Brasil tem todas as condições de ser um dos líderes nesse debate.
Infelizmente a equipe do Presidente não parece estar informada de como as coisas funcionam. Lembram quando Onyx Lorenzoni ironizou a Noruega e foi respondido pelo embaixador? O novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não aprendeu com o episódio. Em entrevista a O Globo publicada nesta terça (8), Salles questiona:
(…) Sair um pouco do campo do reconhecimento internacional, aquela coisa quase que honorífica, que só serve para você ser ufanista, e perguntar: ok, qual é a consequência prática para a sociedade brasileira? Que créditos efetivos, e não promessa de créditos, nós trouxemos aqui para o Brasil? (…) Aquela ideia do pagamento por serviços ambientais, precisa vir dinheiro para cá“.
Se o telegrama não chegou para Salles, ele pode ir ao Twitter do Observatório do Clima. A conta informa que o País já recebeu mais de US$ 1 bilhão do Fundo Amazônia, uma conta onde “pinga dinheirinho norueguês” conforme a redução de desmatamento. Se o ministro preferir, pode conferir o Relatório de Atividades 2017 do Fundo Amazônia:
“Até o fim de 2017, o Fundo Amazônia recebeu R$ 3.123.091.258,23 em
doações, sendo 93,3% provenientes do governo da Noruega, 6,2% do
governo da Alemanha, por meio do KfW Entwicklungsbank, e 0,5% da
Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras)”.
Até o Ciro Gomes ficaria satisfeito, já que a conta “deu bilhão”. Mas, colega de Salles na Esplanada, Arnesto fala em “ideologia da mudança climática”.
Em dezembro, Bolsonaro declarou que o Brasil não sediaria a COP 2019 (a COP é a reunião anual sobre mudanças do clima; a COP 2015 foi a em que se produziu o Acordo de Paris). Como A Agência lembrou com exclusividade, quem se esforçou muito para impedir o Brasil de sediar o encontro foi o governo da Venezuela. Ao abrir mão da conferência, Bolsonaro e Arnesto atenderam a um desejo de Maduro!
Boa, Caco Antibes!
O terceiro elemento da diplomacia Caco Antibes é transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. O embaixador de Israel em Brasília, Yossi Shelley, está confiante: “o governo brasileiro é soberano para dizer quando. A transferência acontecerá, mas aguardamos o momento. Estamos muito felizes com a transferência. Deixa o tempo definir”.
Como o professor Guilherme Casarões mostrou em artigo em VEJA, a decisão apresenta riscos em várias dimensões. Pode “pôr em xeque o comércio com os países árabes, que nos proporcionaram um superávit de 7,1 bilhões de dólares em 2017, e com demais nações de maioria islâmica”. Com efeito, o governo do Egito cancelou no começo de novembro uma visita que o então ministro Aloysio Nunes faria ao país. Quem pode chiar bastante no ouvido do Presidente é a bancada “agro é pop” que lhe serve de sustentação.
Além de perdermos mercado lá fora para nossas carnes, a decisão deixa o país isolado politicamente. Apenas a Guatemala seguiu a decisão de Donald Trump de mudar sua embaixada em Israel para Jerusalém. Nem a Hungria de Viktor Orbán, nem a Polônia – musa da turma do “Deus vult” e da “Nova Era is rising” – fizeram o mesmo. Para usar a linguagem de Ricardo Salles, que “créditos efetivos” virão com essa medida?
Pelo jeito, Arnesto Araújo vai mesmo conduzir o Itamaraty na base da diplomacia Caco Antibes. O personagem que, endividado e sem onde cair morto, berrava: “eu tenho horror a pobre!”.
♪ “Isso não se faz, Arnesto, nóis não se importa
Mais ocê devia ter ponhado um recado na porta” ♪