Candidato único em 1966, Artur da Costa e Silva findou eleito por 294 votos indiretos em outubro. Assumiria a Presidência do Brasil em março de 1967, no mesmo dia em que passava a vigorar a Constituição originada do quarto Ato Institucional do Regime Militar.
Tratado pelos protagonistas como “revolução”, o clima já não vinha bem desde o golpe de 1964, mas pioraria bastante em 1968 com o acirramento de ânimos alimentado por membros de ambos os lados, por opositores e entusiastas do governo.
Naquele fevereiro, durante um protesto estudantil, policiais militares assassinaram o estudante Edson Luís de Lima Souto. Em junho, a Vanguarda Popular Revolucionária – que tinha no elenco uma militante de nome Dilma Rousseff – lançou um carro-bomba contra um quartel-general em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho.
“Até o final de agosto de 1968, 29 bombas haviam explodido em São Paulo – 14 delas por ação da direita.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
O caso Para-Sar foi um dos mais emblemáticos do terrorismo de Estado praticado pelos “revolucionários” de 1964. “O plano incluía a morte de 10 mil inocentes como justificativa para o sequestro e assassinato de 40 opositores ao Regime Militar.”
Mas a gota d’água seria o discurso de Márcio Moreira Alves em setembro. O deputado xingou o Exército de “valhacouto de torturadores“, pregou um boicote ao 7 de Setembro e defendeu que as esposas dos militares fizessem um greve de sexo (!) até que a democracia fosse restaurada.
O regime militar quis processá-lo, mas a Câmara Federal negou a licença necessária. Foi com esse pretexto que, na noite de 13 de dezembro de 1968, o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se para discutir – após apenas 20 minutos de leitura – o Ato Institucional elaborado pelo ministro da Justiça do Governo Costa e Silva.
Sabiam que o AI-5 validava uma ditadura
A reunião foi aberta pelo próprio Costa e Silva, que disse se considerar ainda “um legítimo representante da Revolução de 1964“. Para o Presidente, aquele quinto ato institucional era uma consequência direta do 31 de março tão celebrado pelos “revolucionários”.
O vice-presidente foi o primeiro a opinar, e o único a discordar. Sobre o AI-5, Pedro Aleixo disse chegar “à sincera conclusão de que o que menos se faz nele é resguardar a Constituição“. E mais:
“As demais garantias constitucionais são de tal ordem suspensas, que nem os próprios tribunais poderiam realmente funcionar para preservar quem quer que seja. (…) Pelo Ato Institucional, o que me parece, o que nós estamos é com uma aparente ressalva da existência dos vestígios de poderes constitucionais existentes (…) e instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Na sequência, Augusto Rademaker, ministro da Marinha, se pronunciou:
“Nós não temos que debater juridicamente, legalmente ou constitucionalmente a questão.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Magalhães Pinto, o ministro das Relações Exteriores, também viu no ato a consolidação de uma ditadura:
“Eu também confesso que realmente com este ato nós estamos instituindo uma ditadura. E acho que se ela é necessária, devemos tomar a responsabilidade de fazê-la.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Mas assumiu sentir vergonha:
“Eu devo lhe dizer que quando tomei a responsabilidade de deflagrar o movimento, não me senti tão constrangido como estou neste momento.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Delfim Netto, ministro da Fazenda, foi além e sugeriu que o Presidente pudesse legislar por decreto:
“Acredito que deveríamos dar a Vossa Excelência a possibilidade de realizar mudanças constitucionais.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, apresentou o comentário mais imprudente:
“Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim, e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar para o caminho da ditadura pura e simples, mas parece que claramente é esta que está diante de nós. (…) Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro, quando diz que não sabe se o que restou caracterizaria a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Novamente:
“Às favas, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Costa Cavalcanti, ministro de Minas e Energia, pouco se importava:
“Acho que não se trata de discutir ou pensar de que estaremos em ditadura ou não. Mas sim, que é o fundamental, preservarmos a ordem, a segurança interna e, quem sabe, até a integridade nacional.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Hélio Beltrão, ministro do Planejamento, assim entendeu o AI-5 antes de assiná-lo:
“Um ato que formalmente parece atentar contra a ordem jurídica e as instituições democráticas.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Mas… Ponderou.
“É necessário realmente assumir a responsabilidade de uma ditadura, mas a ditadura só será ditadura na medida em que os poderes excepcionais que estão sendo concedidos ao governo forem usados arbitrariamente, ditatorialmente.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Carlos Alberto Huet, brigadeiro chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, achava um suicídio demonstrar respeito à democracia:
“Considero um suicídio aceitarmos a situação tal qual ela se apresenta agora para demonstrarmos o nosso respeito à democracia.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
O redator do texto, Gama e Silva, foi o único a discordar que o AI-5 consolidava uma ditadura no Brasil:
“Não acredito que se estabeleça uma ditadura, porque não se dá ao Presidente um poder discricionário que é a nota qualitativa dos regimes ditatoriais.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
Mas nem Costa e Silva levou a sério o argumento. Tanto que se viu obrigado a confessar:
“É com verdadeira violência aos meus princípios e idéias que adoto uma medida como essa.”
1968 – Ato Institucional Nº 5 – A Reunião
As consequências do AI-5
Um quarto dos presentes concordaram que o AI-5 consolidava o Brasil como uma ditadura. Outros três conselheiros trataram a questão como irrelevante. Apenas um tentou refutar a ideia, mas seria ignorado na sequência pelo próprio Presidente. Os demais interpretavam o texto como uma continuação do 31 de março de 1964, ou mesmo como uma nova “revolução”.
Ao término da reunião, impuseram férias por tempo indeterminado ao Congresso, suspenderam o habeas corpus para crimes políticos e intensificaram a censura aos meios de comunicação.
O AI-5 deu origem ao período mais sangrento da ditadura militar, a mesma que vem sendo negada pelo presidente da República e seus aliados mais ideológicos. Só seria revogado em 13 de outubro de 1978, no Governo Geisel.
Na noite da assinatura, a expressão “revolução” e suas variantes foram proferidas 121 vezes. Hoje, a palavra estranhamente retornou ao vocabulário da Presidência da República, mas inserida numa agenda que lembra a de Alberto Fujimori antes do autogolpe de 1992.