Milo Jones: “5G da China pode custar caro ao Brasil”

O professor Milo Jones é especialista em geopolítica e negócios. Foto: Divulgação/Milo Jones

O professor Milo Jones é especialista em geopolítica e negócios.

Foto: Divulgação/Milo Jones

O PROFESSOR MILO JONES é especialista em geopolítica. Leciona na prestigiada escola de negócios IE, em Madri, a disciplina “Ferramentas de Inteligência para o Profissional de Negócios”. Já atuou em grandes empresas, como Accenture, BHP Billiton, Nikkei, Nissan, Renault, Santander e Walmart, onde atuou por seis anos na Leadership Academy. O Dr. Jones esteve em Belo Horizonte em 13 de fevereiro para uma palestra sobre inteligência artificial, e, pouco depois, concedeu por e-mail esta entrevista exclusiva para a A Agência.

A Agência – Qual entendimento o senhor tem de ‘singularidade’? E a que distância estamos de alcançá-la?

Milo Jones – “Singularidade”, convencionalmente definida, é quando a inteligência da máquina se torna autoconsciente e então excede a inteligência humana. Para mim, é uma preocupação bem distante em relação ao que a inteligência humana aprimorada será capaz de fazer em breve (usando alguma combinação de engenharia genética, aprimoramentos de ciborgue e remédios). A singularidade é uma preocupação teórica de longo prazo. O aprimoramento humano existe aqui e agora.

A Agência – Em sua palestra em Belo Horizonte, o senhor falou sobre os ‘centauros’ de Kasparov, termo dele para descrever equipes híbridas de humanos e computadores que competem entre si. O senhor pode elaborar sobre como isso se relaciona com os negócios?

Milo Jones – Para ser honesto, a forma mais rápida de explicar meu pensamento sobre Centauros é via a palestra TEDx que dei em Madri

A Agência – Em sua palestra o senhor disse que as escolas profissionais estão ultrapassadas, porque ensinam os alunos a responder perguntas em vez de fazê-las. Então o homeschooling é a escolha do futuro?

Milo Jones – Acho que novos arranjos híbridos de home school/escolas institucionais irão surgir. A própria ideia que a razão de ser da escola é primariamente vocacional tem um pouco de mentalidade de escravo. Para mim, o objetivo da escola é treinar cidadãos livres para contribuir construtivamente para a manutenção de sua civilização e também cumprir o que Nietzsche chamava de Regra do Granito: “Torna-te quem tu és”. Como [Ralph Waldo] Emerson disse em Self-Reliance: “Há um momento na educação de todo homem em que ele chega à convicção de que a inveja é ignorância; que a imitação é suicídio; que ele deve assumir a responsabilidade por si próprio, para o melhor ou pior; que embora o amplo universo seja cheio de bem, nenhum grão do milho que sustenta pode chegar a ele exceto pelo suor plantado sobre lote de terra dado a ele para cultivar. O poder que nele reside é novo na natureza, e ninguém além dele sabe do que é capaz, nem mesmo ele, até ter tentado”.

A Agência – A revista The Atlantic argumenta que a China “está gastando vastas somas em tecnologias disruptivas como inteligência artificial (IA), hipersônicas e robótica, que podem inclinar a natureza da guerra em sua vantagem. O que o EPL conquistou desde o fim da Guerra Fria será um dia comparado ao que o Japão de Meiji conquistou nas décadas que antecederam sua vitória na Guerra Russo-Japonesa”. Há muita ansiedade sobre a China sair na frente em IA e usar essa nova tecnologia para sobrepujar o arsenal convencional dos EUA de navios e tanques. O desenvolvimento da China em IA, robótica, etc. pode compensar seu menor número de armas convencionais em relação aos EUA? Poderia a China ultrapassar os EUA em uma futura guerra espacial?

Milo Jones – Sim, e isso deve ser levado a sério. Os chineses estão certamente bem mais cientes do que nós no Ocidente a respeito dos impactos psicológicos e sociais de tecnologias digitais. Também estão jogando muito dinheiro nesses esforços. Eu, porém, acredito que: 1. Economias de comando de cima pra baixo têm um registro bem fraco de inovação sustentada; 2. A China é essencialmente uma economia conduzida por dívida em vez de capital. A parte fácil acabou para eles, e eles ainda têm centenas de milhões de cidadãos vivendo no nível dos bolivianos ou abaixo, e seu retrato demográfico é atroz. Conseguirão sustentar os investimentos nessas tecnologias?; 3. O Ocidente está despertando para a ideia de que a China não quer se juntar à ordem mundial que os permitiu chegar aonde chegaram nas últimas quatro décadas. O que você vê acontecendo com a Huawei e o 5G ao redor do mundo não é acidente. Em tese, eles deveriam ter seguido o conselho de Deng Xiaoping de “esconda sua força, tome seu tempo, nunca lidere” por mais algumas décadas, porque você está vendo uma reação contra eles nos EUA (em um raro consenso bipartidário!) e na UE.

A Agência – Em sua palestra em BH, o senhor mencionou a relevância do livro Essence of Decision (livro de 1971 sobre a crise dos mísseis em Cuba). Quais outros livros clássicos em Relações Internacionais ainda são relevantes hoje?

Milo Jones – A bibliografia do meu curso alerta aos alunos para não confundirem recente com relevante. Muitos livros novos são lixo, e o tempo fornece um valioso mecanismo de peneira. Sempre digo aos estudantes para lerem Essence of Decision junto com o mais recente Superprevisões (2015). Mas também os instigo a lerem os clássicos da geopolítica e suplementá-los com o entendimento técnico oferecido pelos livros de Marshall McLuhan Understanding Media (1964), The Gutenberg Galaxy (1962) e Media and Formal Cause (2011, escrito pelo filho de McLuhan). Em economia recomendo tudo escrito por Joel Mokyr, e sobre estratégia militar digo para lerem todos os livros de Edward Luttwak.

A Agência – Qual a chance de vermos uma guerra nuclear em nossas vidas? E poderia começar por um comando dado por inteligência artificial?

Milo Jones – É uma quase certeza, se por “guerra nuclear” você quer dizer o uso de um artefato atômico e “em nossas vidas” quer dizer nas próximas três décadas. Mas vou qualificar dizendo que minha “quase certeza” inclui o uso de uma bomba suja (material radioativo disperso por um explosivo convencional como arma de terror), e que a IA não é o grande problema aqui. O grande problema permanece sendo o comando-e-controle ruim em alguns países, e a possibilidade de erros ou atores rogue (fora da cadeia de comando). Armas convencionais de precisão como drones alteram o cálculo por trás do “use ou perca”. Some-se a isso mísseis hipersônicos convencionais. Aliás, todas as vezes em que os EUA tentaram matar Bin Laden nos anos 90 com um míssil lançado por submarino, eles tinham de inventar um pretexto para um general americano se encontrar com um oficial paquistanês de alto escalão para alertá-los com algumas horas de antecedência que o míssil que vinha era nosso, não os indianos atacando primeiro. Isso te dá uma ideia das complicações e potencial para mal-entendidos agora! Nesse assunto, tenho que recomendar o livro de Paul Bracken, The Second Nuclear Age: Strategy, Danger, and the New Power Politics (2012).

A Agência – No fim de janeiro, a empresa chinesa Huawei foi fonte de muita controvérsia no Brasil. Alguns parlamentares-eleitos (agora parlamentares, já que tomaram posse em 1º de fevereiro) receberam do governo chinês uma viagem à China, com o objetivo de conhecer a tecnologia de reconhecimento facial chinesa e trazê-la ao País para combater o crime. Morador dos Estados Unidos, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, voz muito influente no governo Bolsonaro, afirma que toda a informação coletada pela Huawei poderia ser enviada ao governo da China e até ser usada para identificar desertores chineses no Brasil. O governo dos EUA também é um forte crítico da Huawei. Qual a importância de atores como a Huawei na geopolítica hoje?

Milo Jones – Como mencionei acima, este agora é o centro do conflito. Não se trata exatamente de uma nova “guerra fria”, mas uma área de fundamental importância na qual as escolhas em oferta devem ser reconhecidas e compreendidas. A Huawei, assim como todas as empresas chinesas, é no fim das contas um braço do Partido Comunista da China. O 5G barato pode se mostrar bem caro se o preço for a liberdade brasileira.

A Agência – Há alguma coisa que eu não perguntei que o senhor quer compartilhar com os leitores brasileiros?

Milo Jones – Convido seus leitores a reconhecer as tecnologias digitais como “causa formal” – elas estão estruturando nossas escolhas e têm profundas consequências sociais, psicológicas e estratégicas. Eles podem aprender mais a partir dos meus slides e na palestra correspondente.

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